20040817
Silenciosamente por kristho

Parei na intersecção
do ser e não ser,
fiquei, parando,
estaquei, olhando
a àgua que caía
da chuva do pensamento,
e fiquei a olhar as ondinhas
que se propagavam
numa poça solitária no chão,
ping, ping, ping,
e o cair das gotas ecoava
até ao infinito,

vi voar uma borboleta,
de todas as cores,
batendo as asas,
rasando os muros,
rasando eu,
voando aleatoriamente,
vi a relva que crescia nos passeios
mexer-se suavemente,
com a brisa suave
que me acaricia o rosto,
propagando todos os verdes,
reflectidos pelo bater do sol,
que inundava de luz
a esquina onde me encontrava,

tracei a perna,
encostei-me na esquina,
oscilando entre o ser e o não ser,
puxei o cigarro, acendi,
acendi o rastilho,
fumei, morosamente, a vida,
vi-a, em brasa,
fugir diante dos meus olhos,
lentamente,
vi o fumo fundir-se com o ar,

senti nos pulmões
uma sensação estranha,
expirei e sairam palavras,
das janelas pendiam pergaminhos
escritos numa linguagem
que desconhecia,
indecifráveis,
a estrada não era de alcatrão,
era um tapete negro,
fofo e aveludado,
a calçada não era dura,
era como um colchão de penas,
a relva, um cobertor,
o ar nem custava respirar,
nem repirava,
não precisava mais do ar,
nem o ar estava lá mais,
nem a esquina nem o chão,
nem nada, só o vazio

o vazio e eu, sem forma,
dentro de mim mesmo,
oco, só,
vazio do que fui,
do que não vou ser,
vi o fracasso
escrito de todas as formas,
no infinito que se estendia perante mim
e em toda a minha volta,
senti um aperto no coração,
que já la não estava,
senti que respirar era dificil,
mas não havia ar para respirar,

sentei-me na cadeira ausente,
de perna cruzada,
na sala da decisão,
quatro paredes bem fechadas,
sem portas, janelas, nada,
branco à frente,
branco atrás,
branco dos lados,
no topo,
no chão, eu,
decidindo o que tinha de decidir,
decidir o que era eu,
se era eu,
se tudo valia a pena,
se tudo era real,
se tudo era sonho.

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